Amor e Medo
Um amigo, que também é psicólogo, afirmou certo dia que
o oposto do amor não é a raiva, o ódio, mas sim, o medo. Como cristão, recordei
das Escrituras onde este sentimento, amor, ganha vida e sentido pleno, está
presente inclusive no texto áureo da Bíblia como elemento fundamental: “Porque
Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo
aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:16). João, o
apóstolo do amor, vai além em sua primeira epístola quando diz: “No amor não há
medo; pelo contrário o perfeito amor expulsa o medo, porque o medo supõe
castigo. Aquele que tem medo não está aperfeiçoado no amor” (1 Jo 4.18).
Observando esta citação bíblica podemos aprender muito sobre vários cenários
comuns em nossos dias, quando grande parte da sociedade é dominada pelo medo,
depressão e real falta de amor. Enfim, devo concordar com meu amigo: amor e
medo se opõem.
Lendo as cartas do Apocalipse às
sete igrejas da Ásia, temos em primeiro plano as palavras de Cristo ao anjo da
igreja em Éfeso, e refletimos: não seria um grande paradoxo que justamente a
igreja antes pastoreada pelo apóstolo do amor, segundo diz a tradição cristã
dos primeiros séculos, agora fosse repreendida por ter abandonado este sentimento?
E mais, não seria isto um alerta de que podemos falhar, inclusive naquilo que um
dia fomos referência?
A igreja de Éfeso era doutrinariamente vigorosa, fazendo
jus ao trabalho dos grandes líderes que tivera, tais como Apolo (At 18.24), Timóteo
(1 Tm 1.3), além da dedicação exclusiva do apóstolo Paulo por cerca de três
anos (At 19.1; 20.31). Rigorosa para com os maus obreiros e dedicada ao serviço
cristão. Contudo, abandonara o que era mais valioso aos olhos do Senhor, seu
primeiro amor. Certamente a igreja de Éfeso não nutria qualquer sentimento de
raiva ou ódio para com o Mestre. Todavia, tornara-se indiferente em seu
relacionamento com Cristo. Zelosa para com seus deveres, implacável com os
erros, firme diante das adversidades, mas, diante de Deus, sem um amor que
valesse a pena. Amava seu trabalho, amava a doutrina, amava o bem, só não amava
mais ao Senhor. Paulo afirma que sem amor nenhum sacrifício tem valor (1 Co
13.3).
Teria o medo suplantado o primeiro amor da igreja de
Éfeso?
O medo de errar, o medo de não agradar, o medo de não
ser aceito, o medo...? Este sentimento que faz definhar a alma, que destrói
sonhos, projetos, e até vidas por completo?
Muitos de nós temos que trabalhar duro para ter uma vida
um pouco melhor. Quantas vezes sentei exausto pela fatiga do trabalho de
servente de pedreiro. Mãos ardentes, embora calejadas, pele coberta de suor e
já queimada pelo sol causticante do equador. Ansioso por uma pausa, ou melhor,
por uma mudança radical, ainda que, apenas de labor. Mas, aquele jovem teve
sorte diferente. Teve um pai afortunado. Jamais foi obrigado a enfrentar a dura
lida de seus serviçais. Possuía tudo que desejava, mas, não parecia contente.
Ansiava por conhecer outros mundos, aventurar-se pela vida. Decidiu pedir sua
parte na herança e partir, viver independente, e pouco lhe importava o
aconchego da família, o amor do pai. Seria forte o suficiente para não ser
comovido por qualquer sentimento. A continuidade da história é conhecida. Ele
partiu, sem pretensão alguma de voltar. Até que se encontrou fazendo o que
jamais imaginara, apascentando porcos, desejando alimentar-se com as alfarrobas
que fartavam aqueles animais pouco asseados. Mas ninguém lhe dava nada (Lc
15.16). Em seu coração ferido havia uma batalha. Deveria voltar para a casa de
seu pai? Assumir publicamente seu pecado? Seu irmão o aceitaria? Seu pai o
receberia? Talvez não. Seu erro fora muito grave. Seria melhor buscar outra
saída. Novamente, o medo. Não ser aceito, não ser perdoado, não ter outra
chance. Mas, não há tréguas neste embate. O arrependimento inunda aquela alma
que decide voltar, custe o que custar. Em casa, seu irmão mais velho também
sofre. Mas, não sofre a partida do mais moço, não sofre os dissabores da vida,
não sofre a escassez e a fome que assola aquela região. Ele experimenta o mesmo
sentimento de seu irmão, embora não pareça. Sente medo. Cumpre religiosamente
suas obrigações, tal como o anjo da igreja de Éfeso, contudo, também lhe falta
o amor. Tem amigos, mas não pode festejar. Possui muitos bens, mas deles não
consegue desfrutar (Lc 15.29). Seu irmão mais novo entra em cena, lança-se nos
braços do pai e chora, implora por perdão, quer ser apenas como um de seus
criados. O pai amoroso o recebe, perdoa-lhe, restaura sua condição de filho.
Enquanto isto, o mais velho explode, seus temores e medos mais profundos são
revelados. Então, aprendemos, sem amor não há aceitação, não há alegria, não há
comunhão plena.
Éfeso fez de tudo para nada dever a ninguém, todavia,
esqueceu-se que sempre seremos devedores do amor (Rm 13.8).
Finalmente, seja lá o que for que tenha acontecido,
Cristo oferece mais uma chance, antes do ultimato final: “Lembra-te, pois,
donde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras” (Ap 2.5).
Israel Oliveira
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